É bom ter feitos diários. É bom não ter intervalo de acesso, entre pensamentos úteis, para os pensamentos fúteis. É bom aproveitar dias, horas, minutos, segundos!, porque 'vai que não dá tempo pra fazer tudo!'. A vida é quase invisível aos olhos, tão rápido passa. Os segundos, afinal, foram feitos para serem sugados até o fim, ingeridos com vontade, mas a conta-gotas, para que demorem a cessar.
A pressa de viver é quase uma doença. As vítimas dessa obsessão têm o relógio como o principal inimigo da vida. Parece-lhes que, para viver, deve-se correr contra o tempo. O ideal seria quebrar todos os relógios e esquecer que as rugas estão se formando não tão lentamente, que as pernas um dia não suportarão caminhadas longas, que as pessoas não ficarão pra sempre, que temos fim. Infelizmente, esses são os pensamentos que recheiam aqueles raros momentos de ócio.
A vida quer passar e tentamos inutilmente bloquear seu caminho. Esticamos um pouco aqui, outro acolá. Dormimos hoje dez minutos mais tarde, já que dez minutos rendem mais dez palavras bonitas, mais cinco páginas daquele livro, mais dois assuntos entre amigos... mais um momento. Vivemos essa vida, já que a próxima é dúvida, e a eternidade, uma tentativa vã.
De Clarisse Lispector:
Eu sou antes, eu sou sempre, eu sou nunca. À duração da minha existência dou uma significação oculta que me ultrapassa. Sou um ser concomitante: reúno em mim o tempo passado, o presente e o futuro, o tempo que lateja no tique-taque dos relógios.