Foi num domingo, como costumava ser há dez anos ou mais, mas também podia ser uma quarta. O lugar já não era a casa da vó em Santana – nem a pseudo-casa-da-vó na capital –, era mesmo um restaurante, uma dessas galeterias quaisquer, mas isso também não importava. A comida não era feita pelas genitoras faladeiras na cozinha apertada da minha casa, nem na da minha tia. Fingi não perceber esses detalhes.
O motivo era o aniversário de um tio, mas a maioria ignorava o fato – não se ouviram felicitações. Primos, tios e agregados. Daqui, de Santana, da Terra dos Esquecidos. Não foram todos - e isso fiz questão de perceber. Então (quase) todos foram prestigiar o solene e remoto momento que – não disseram, mas é certo – haviam extraído da memória: o encontro familiar.
Minha cabeça doía e pendia ora para um lado, ora para outro, em vias de ser desativada pelo sono. Mas aquele era um dia especial. Não era único, era melhor que único. Era uma lembrança boa que se concretizava em sorrisos outrora de Natais, Páscoas e almoços dominicais. Agora eram só sorrisos de saudade, de bom-te-ver.
Fingimos, por largas horas, que éramos o que fomos, embora soubéssemos que não éramos mais. Mas um disparate à toa não faz mal a famílias felizes. E assim, fomos crianças, irmãos, amigos novamente. A diferença é que sabíamos mais sobre computadores, filosofia, arquitetura. Sobre a vida, embora alguns tentassem fingir que não. Ninguém queria pensar em presente durante aquele passado bom.
Com a cabeça dorida, me conformei em descansar a fala. Só olhei e vi: de fato, não éramos os mesmos. Éramos mais do que fomos. Não menos por vermos pouco uns aos outros, não menos por nos abraçarmos pouco ou por não estarmos na casa da vó. Éramos mais. Mais saudade, mais afeto, mais família do que nunca.