sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Entre espantos e encantos, fico com Buenos Aires.

Buenos Aires é assim: não há de se gostar de pronto. Demorei a descobrir que nebuloso mistério encobria aquela cidade, tão ensolarada quando nela cheguei. Pois Buenos Aires não é, afinal de contas, uma representação da cidade esplêndida e apaixonante, e não entendo quem por ela se encanta à primeira vista. A Europa americana não é tudo o que dizem os folhetos e sites que vi antes de embarcar. Não assim, logo de cara.

A começar, para viajantes mochileiros com pouco dinheiro no bolso e muita, mais muita!, curiosidade, o glamour encerra (ou talvez nem comece) com as longas jornadas à procura de moedas para pagar o ônibus (velho e lotado). Em Buenos Aires, dá-se um mindinho por moedas. O mais próximo da Europa que um mochileiro pode chegar é pegando um metrô e indo a museus (esses, grátis!). Mas os taxímetros, para nosso deleite efêmero, demoram minutos intermináveis a mudar - embora nos façam sentir brasileiros idiotas.

Buenos Aires é um enigma. O algo de metrópole e a pitada de cidade pequena se percebem na sua mistura de carros (muitos) e motoristas que param na faixa de segurança, de turistas e de porteños atenciosos, de correria nas ruas e de sossego à beira do porto, da noite no boliche e do dia nos parques. As suas Calles Floridas não são assim tão floridas. Na verdade, não passam de calles. Mas um turista bem intencionado há de desculpar tal falha após conhecer os belos bosques que a cidade abriga, esse sim, repletos de flores.

Já os argentinos, contrariando teses, não são antipáticos (exceto quando desavisados lhes pedem moedas...) e não odeiam brasileiros, sobretudo as vovós e os bebês – fato comprovado empiricamente. Alguns odeiam, óquei. Os do sexo masculino – mesmo com seus mullets – são de beleza admirável. O fato de grande parcela não gostar de mulheres é mero detalhe (!). Portenho é tão enigmático e complexo quanto sua cidade. Mas o tempo os torna seres completamente apreciáveis.

Em Buenos Aires dança-se tango na rua e - quem diria! - caminha-se por elas à noite. Ponto turístico é, assim, logo de pronto, um insoso objeto pontiagudo em meio a uma gigantesca avenida, chamado Obelisco. É, no entanto, turismo, também, uma ruela de simplórias casas de madeira pintadas a mil cores (bem mais interessante). Diversão para turistas, sobretudo os mochileiros, é mais que monumentos, é comer alfajores sentado na praça, um programa aconselhável ao bolso e ao prazer.

Não sei explicar mas, após nove dias e muitas experiências, creio que desvendei a esfinge argentina. Buenos Aires é, na verdade, mais que um amor à primeira vista, desses que nos mostram tudo de uma vez e pelos quais se vai perdendo o encanto. Buenos Aires torna-se encantadora. É poesia escondida sob as mais distintas formas, a ser descoberta a cada nova palavra. Mas há que se acostumar o olhar.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Estação BsAs

Com um pomelo em uma mão e um alfajor na outra, eu vi as estações passarem como uma recordação já remota. Sabia que, como tudo o que fosse portenho, o metrô teria um fim. Foram-se passando as estações enquanto esperava um milagre me tirar daquele sufoco, que alguém aparecesse para me dizer que nada aconteceria, que eu poderia ficar o quanto quisesse. Sem milagres e com uma mochila nas costas, desci sob a avenida La Plata, desolada e ameaçando soltar uma lágrima pelo olho direito.
A cada passo, uma lembrança dos passos dados naqueles nove dias que mudaram vidas. A minha e, estou certa, a daqueles tantos e de tantos lugares do mundo. A cada lembrança um quê de delírio. Pensei, por alguns instantes, que tudo fora um sonho e que em breve acordaria. Quem sabe assim a lágrima não escorresse e eu estivesse livre de toda a dor. Mas, não. Queria chegar ao albergue e ver que os amigos e o quarto bagunçado estavam ali. Para a despedida, mas ali.
A lágrima não caiu. Não até entrar no táxi e ver as quatro mãos que se despediam se afastarem. Queria aproveitar meus últimos minutos de alegria e os bons ares que me restavam respirar. E respirei. Bem fundo e com força, pra não mais perdê-los. Estarão sempre aqui. Os ares e os amigos daquela estação na qual desci e queria nunca mais embarcar.


quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Também me entrego à incoerência

Sim, também me entrego, como todos de minha geração. Sou incoerente até ao dizer que não me apetecem incoerentes, e me apercebo que também sou. Sou mais que os outros, pelo visto. É normal, pois. Já que todos um dia descobrimos prazer em algo que, até então, nos era repugnante. Nos rendemos, então, ao pecado d’alma. Ao pecado criado por princípios durante toda uma extensa vida.

Eu, que de tanto falei e tanto zombei de vãs criaturas que se deliciam ao rolar sobre máquinas tão ruidosamente úteis. Eu, que em minhas viagens me perdi em longos pensamentos no banco ao lado enquanto outro então me conduzia. Eu, que nunca quis acelerar, frear e, menos ainda, mudar a marcha, me rendi. Rendi-me à doce e perigosa diversão automobilística. Eu, que sempre considerei carros armas poluidoras disfarçadas de utilidades modernas.

Passei a divertir-me, assim como faço com quaisquer pequenas novidades, com a boba atividade de acelerar-frear-acelerar. Mesmo que muito rapidamente cansada, minha adrenalina, usualmente a níveis desprezíveis, tem percorrido meu corpo durante as aulas de direção. Desde que, logo na segunda aula, fui batizada na incrível aventura de conduzir aquela arma na maior avenida da cidade, não mais quis cessar. E, então, todas as manhãs, logo após o sol nascer e antes mesmo dele torrar a pele, lá estou com um sorriso no rosto e um volante nas mãos.

Sinto-me, creio, como que poderosa, madura, gente grande. Eu, que sempre achei que tal alegria pertencesse à área infantil do cérebro humano. Breve, eu, tão inocente, inofensiva, inóspita, terei uma arma a meu poder. Breve... se eu passar no exame.

Ao menos, talvez evite encontrar o ingrato motorista de coletivos...

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Logo eu, que nem me estresso!

Gozo de alto poder de abstração, faculdade que me salva de qualquer tipo de aborrecimentos alheios. Encaixo-me em todas as designações pacíficas. Não peço briga, não me intrometo em briga de outrem, sequer levando a voz a decibéis muito elevados, para permanecer no meu estado zen. Mas descobri que, sim, existem coisas que fazem de mim um ser irracional e neurótico.

Motoristas de ônibus. Eis o que me faz perder a calma quase budista. No caso, foi um. Unzinho só fez de mim a pessoa mais injuriada por poucos e tão longos minutos. Um, somente um, motorista de coletivos porto-alegrenses conseguiu um milagre que nem a escola de samba instalada no fundo do meu prédio consegue.

Assim deu-se o fato. Foi num fim de tarde porto-alegrense (traduz-se: trinta graus Celsius e muito trânsito). Um cristão, após algumas horas de trabalho (a trinta Celsius) e poucas de sono, deseja nada além do que um banho e uma almofada bem fofinha para se recostar. Para tal prêmio de consolação, no entanto, algumas barreiras são necessárias. E então que chegamos ao famigerado ônibus.

Ônibus já são estressantes por si só, graças a sua incrível capacidade de lotar, aos vovôs (que sempre os tomam em horário de pico) e à longa espera por sua chegada. Mas, até aí, minha concentração quase budista me auxilia e me dá forças a repetir o sobe-desce quotidiano. Pois então, depois de vinte anos de passageira e muita história pra contar, cheguei ao cúmulo do absurdo de um motorista, cujo único e simples trabalho é acelerar, frear e, por vezes, sorrir, se recusar aos dois últimos itens. Não creio que alguém não tenha capacidade para fazer os três.

Então, foi assim. O funcionário, de quem reclamei chorosamente (e, eis meu problema: eu quase choro quando reclamo), reclamou por, simplesmente, ter que parar o coletivo, fonte de seu sustento. Outrora já reclamara dele por sua extraordinária incapacidade de pisar no freio, fato que me fez esperar mais alguns longuíssimos minutos por outro mais gentil. E isso se repetiu por três vezes. Na quarta tentativa, quando enfim ele parou, reclamou por tê-lo feito. Seu resmungo fez-me alçar meus decibéis a níveis nunca dantes por mim imaginados perante os quarenta e tantos passageiros.

Pensei, imediatamente, na imbecilidade de quem não dá valor a isso chamado emprego. De certo, não estava feliz o coitado, que trabalha durante o dia todo e ganha dinheiro. Realmente, ele tem direito de reclamar por fazer uma tarefa, quase nada importante no seu trabalho: a de parar. Eu só fiz ajudá-lo, pois. Liguei e - chorosamente - disse à empresa tudo aquilo que, por não ter saído completamente da minha calma budista, não atinei em dizer ao estressado a, pelo visto, estado permanente. O meu, ao menos, é efêmero. Bastou um banho e uma almofada bem fofinha pra me recostar.

E logo eu, que nem me estresso!