sexta-feira, 28 de novembro de 2008

As reticências foram abertas

O mundo não poderia terminar amanhã. Tolice pensar que sim.

Porque, se o mundo terminasse amanhã, não haveria tempo para tirar da idéia a boa teoria dos poucos dias. Tudo que faria meu mundo ter mais sentido, e permitiria que ele amanhã terminasse. Num mudar de lua – ou simplesmente de rua – uma biografia de fatos ganhou páginas novas. Uma partitura de vida recebeu mais notas. Um depósito profundo de sentimentos foi aberto. E tudo é mais sentido do que jamais foi. De repente, a compreensão do idioma é outro. As palavras antes sem nexo dessa escrita disforme foram traduzidas e, embora devesse ser mais difícil compreendê-las, agora fluem com mais clareza. Com palavras e silêncio, aprendi que nem tudo precisa ser falado, ainda que tudo deva ser dito. Que tudo deve ser escutado, mais que ouvido. Que tudo muda quando se compreende tanto o calar como a canção. Onde antes era um só ponto, agora há mais. Agora há um espaço branco-colorido a ser preenchido com vida. E o que era um ensaio já é uma obra, com enredo em processo evolutivo. Ainda que fora do papel.

Uma perda, eu sei, se o mundo terminasse amanhã.


sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Paixão sobre Paixão

Minha paixão é essas linhas que escrevo. E a vantagem dessa minha paixão é poder traduzir a paixão alheia. Nada melhor. Por isso, tomei de pronto a primeira oportunidade para escrever sobre o tango do ponto de vista de uma apaixonada por uma das maiores paixões argentinas. Entenda-se bem: não apaixonada pelo tango, e sim pela paixão por.

Então escrevi essas linhas para a revista da universidade. Em espanhol, claro. Aqui, traduzido para um português talvez um pouco espanholado. As partes em primeira pessoa estavam em nome da revista. Mas, aqui, eu revelo que eu sou eu, já que todos já sabem. Há, ainda, um segundo texto, mais técnico e chato. Mas resolvi escrever, aqui, só o essencial.

Espero despertar o mesmo que sinto nos sentidos alheios.
..


Três minutos de paixão mundial

Argentina e Uruguai buscam o reconhecimento do tango pela UNESCO. Enquanto isso, milongueiros que não falam espanhol viajam muitas horas por poucos momentos com a dança.

Nascido como a denúncia social de uma época, o tango volta, depois de mais de um século de sua criação, a ser símbolo de expressão contestatária. Nos anos 40 a classe tangueira dos subúrbios de Buenos Aires brigava por fazer da sua arte reconhecida e agora, em 2008, Argentina e Uruguai deixam de lado divergências sobre suas origens e se unem para dar à dança um futuro de reconhecimento mundial. Porém, já não é?

Uma prova da força do tango em todo o mundo, além de qualquer título dado por órgãos mundiais, são os “milongueiros residentes em outros países”, estrangeiros que freqüentam cada dia mais o circuito de milongas da capital argentina.

Milonga: um só idioma.

Fui às milongas portenhas certa de encontrar a sensual dança praticada por seus tradicionais bailarinos: os argentinos. Na Confitería Ideal, uma das mais tradicionais da cidade, onde se dança desde a tarde até o final da noite, um cartaz diz: “Hoy milonga. Ya estamos milongueando”. No entanto, o idioma original do tango só é conservado para as boas-vindas. Todos os demais cartazes no lugar são bilingües. “Clases de tango, vals y milonga. English and italian spoken”.

Na porta de entrada, não demora que se veja gente enrolando a língua em outros idiomas com uma sacolinha na mão, um sinal de que aí está um tangueiro. Quando não carrega a sacola com os sapatos, o estrangeiro não é nada mais que um turista curioso que vai assistir à dança alheia. A argentina Julia Doynel, que organiza a milonga Sueño Porteño, explica: “O que acontece é o tango é uma língua. Na milonga, falamos todos de igual forma”.

O idioma comum parece muito fácil: o abraço. Todos, argentinos ou estrangeiros, são unânimes em dizer que a essência do tango é esta. Ainda que, nas suas origens, era condenado pela população justamente por este excesso de contato físico, é essa a maior razão pela qual se viaja muitas horas para chegar à capital argentina. Quando lhes pergunto sobre o que pensam do tango que mais atrai os turistas, o “tango de cenário”, visto nas ruas e restaurantes, não há divergências. Todos acham lindo, mas sem a tal essência. Além de que este não podem dançar. Nesse tango ensaiado, o contato físico está em segundo plano. “É o que chamamos tango import-export, e só jovens podem praticá-lo”, diz uma francesa aposentada que dança há 10 anos e fica durante sete meses do ano em Buenos Aires.

Ainda que seja fácil compreende-lo, a prática do abraço é complexa para qualquer pessoa que a tente. Julia garante que o bom dançarino estrangeiro dança melhor que um argentino, já que estes acreditam que já nascem sabendo e não costumam fazer aulas. Juan Carlos La Falce, que dirige a milonga El Nuevo Salón La Argentina há nove anos, avalia que os franceses e os suíços são os melhores. Mas a francesa aposentada enfatiza que o melhor elogio que já recebeu foi, justamente, quando lhe disseram que dançava como uma argentina. “Quer dizer que tenho a paixão”, conta.

Paixão. É isso que move os milongueiros de qualquer nacionalidade. No salão, onde os casais dançam numa roda que segue o sentido anti-horário, não existe uma velocidade, uma lógica. Cada par dança no ritmo do coração. “O tango se dança como se sente, não existe coreografia”, explica Susana Vidal, argentina que frequenta com o marido, o jornalista Armando Vidal, o salão de La Falce e também da aulas de tango.

Procurei aqueles os quais sei acostumados à dita paixão pela música e pela dança. Nas milongas, os brasileiros parecem tão entregues a esse amor como ao carnaval carioca. “O tango tem mais sensibilidade, já o samba é mais ritmo e improviso. Além disso, a comunicação entre duas pessoas é única do tango”, confessa Arlene Pinheiro, dona de uma escola de dança em Belo Horizonte, no Brasil. A amiga que a acompanhava na milonga, a terapeuta Sonia Falco, diz com conhecimento: “o tango é uma verdadeira terapia”.

Seja na improvisação ou na cuidadosamente ensaiada coreografia, cada casal cria seu próprio código de comunicação. Rocky, que quase não fala espanhol, mas compreende bem a linguagem de uma milonga, não conta o nome verdadeiro e a idade. Na milonga El Nuevo Salón La Argentina, somente se sabe que o louro misterioso de meia idade é americano. Se apaixonou pelo tango há cerca de quatro anos e, desde então, sempre que pode foge da cultura do masculina do futebol americano e do basquete. Prefere dançar a ficar olhando um tango show, que é, para ele, uma fantasia. “E a mulher fica longe, o que não me parece nada bom”, revela.

Outra crítica de quem vive o tradicional tango é que o “de cenário” se entregou à alegria. O “tango al piso”, como é chamada a dança das milongas, conserva a tristeza, ainda que o clima nesses lugares pareça muito bom. “Buenas energías”, é o que todos respondem. Por isso, por mais que os pontos turísticos portenhos, que atraem diariamente centenas de turistas, ofereçam boas vistas, é aqui que muita gente quer ficar.

É o caso da suíça Monica Ferster, que aprendeu tango há dez anos no seu país. A intimidade com a dança já é tanta que não parece a primeira vez que vem a Buenos Aires. Veio para dançar e não conhece mais nada da cidade além das milongas, como a da tradicional Confitería Ideal, onde fala muito rápido comigo porque logo tem um compromisso muito importante: outra milonga.

“O tango é três minutos de paixão”, é a explicação de Carlos La Falce para as tantas visitas apaixonadas que recebe de estrangeiros em seu estabelecimento. Minutos nos quais se fecham os olhos, se abraça e se sente o outro. “Não, isso não existe no tango de cenário”, protesta o defensor de que esta arte seja multiétnica, mas que não acredita que o reconhecimento da ONU mudará o status das milongas, e sim somente o lado turístico da dança. No entanto, quem como ele soma diariamente esses três minutos, sabe que de nada mais precisa.

sábado, 1 de novembro de 2008

Mudei.

Assim, com ponto final. Não que não mereça reticências. Porque é sempre bom deixar em aberto quando se trata de mudanças. Mas, por enquanto, é mudei e ponto.

Mudei não porque quis. Tenho certa dificuldade em tomar decisões. Mudei porque me empurraram para fora, pela porta da frente, e disseram: vai! E eu fui. Meio contrariada, em princípio, eu fui só porque tinha que ir.

Aos poucos, as idéias amadureceram e, como tal, mudaram de cor. Pareceu-me boa a idéia de viver outros ares, a de ser noutro lugar. A mudança, então, tornou-se dúbia. Triste - muito triste - mas feliz. Se é que isso se entende.

Depois de três meses dividindo caras amassadas pela manhã, compartilhando manias e aprendendo soluções, mudei para começar de novo. Outra vida, embora eu só esteja a dois bairros de distância. E a mudança tenha custado quinze pesos, algumas horas de arrumação e poucas lágrimas.

Mudei. Agora sou mais típica e mais próxima. E, quem sabe, isso abra espaço a reticências.