quinta-feira, 24 de junho de 2010

Estado de frio

Pelas bandas do sul, frio é quase redundância. Não se trata de verbo de estado, mas de permanência. Em Porto Alegre, não faz frio. É questão de clima no sentido conotativo. É-se frio. O calor de janeiro não é suficiente para aquecer o trato. As roupas de junho convêm como proteção do espírito descontente, como pretexto para os olhos de poucas palavras.

Durante o ano inteiro, não há muitos que olhem noutros olhos e se bendigam com sorrisos simpáticos. Nos corredores de rotina, fito aqueles que conheço. Mas é quase ingrata a tentativa de travar aquelas conversas rápidas, de perguntas óbvias e respostas esperadas, com gente ignota. “Oi, tudo bom?”. “Tudo bom”. É simples. É ridículo. É, usualmente, sincero.

Há quem justifique a secura do porto-alegrense na pouca brasilidade, nesse jeitinho germânico de ser. Nessas horas, não há italianos e espanhóis na composição étnica. Estamos talvez mais para portugueses ilhados em Açores. O homem aqui é uma ilha. E os sinos, indiferentes a todos.

Há também quem faça atribuições à herança da grossura pampeana. Seja como for, sigo a chamar de frieza, de maneira bem global, injustificável mesmo em cidade capital. No provincianismo, afinal, deveria ser costume, senão obrigação, sacar o chapéu – ou os óculos, em tempos modernos – para ser cortês e amigável.

Ironicamente, a cordialidade aprendi num país que, dizem, a guerra é constante. Fora das montanhas e da selva, no entanto, colombianos travam luta de palavras. Pacíficas. Fixam o olhar a qualquer transeunte, em “pueblos” ou na catastrófica Bogotá. Nos ônibus que, pelo módico tamanho transmitem alguma familiaridade, todos são saudados pelos novos rostos que adentram. O veículo lotado (ao contrário do humor desajustado de um passageiro porto-alegrense), é um convite à solidariedade. “Él tiene que bajar” é transmitido como telefone sem fio até que o mais ao fundo possa chegar à porta. Isso tudo numa cidade que enfrenta o frio em 12 meses ao ano. Encarar o minuano durante somente quatro, portanto, é desculpa barata.

Corra-se em defesa de que falo de simpatia falsa, de sorrisos irônicos. Defendam que Porto Alegre é uma metrópole de irreconhecíveis milhões de rostos – ainda que não cheguem a dois milhões. Eu vos rebaterei com o argumento lógico de que sorrir, assim como quem não quer nada a qualquer um, não é só um prazer inócuo e inconsequente. Trata-se de liberar endorfina e serotonina ao cérebro. Isso significa, resumida e amigavelmente, liberar felicidade. A si mesmos, sejamos egoístas.

Perdoemos os provincianos que não sabiam dessa comprovação científica. Ainda que mesmo os neurologistas porto-alegrenses talvez também desentendam sorrisos. Quem sabe nos falte essa simpatia despretensiosa, que os menos informados (ou mais infelizes) arriscam ser loucura. Acontece que essa gente vive longe da linha do Equador. Na instabilidade atmosférica, parecem preferir a estabilidade – ou morosidade? – do clima.