Tenho o mau costume dos idealizadores. Desde o alvor da minha infância, fui levada pelos livros de história aos mundos mais longínquos da imaginação. Imagino uma terra lindamente arquitetada a meu bel-prazer. Concebo as situações a minha vontade e pessoas a meu gosto, embora esteja sempre próxima do abismo da desilusão.
Súbito, vejo-me imaginando histórias. Predicados, objetos, ou o simples sujeito sem complemento causam-me estranhas sensações, e me pego criando narrativas completas. Pessoas que nunca vi são para mim aquilo que imagino que sejam, e nada mais. Sei as causas e os fins, mesmo que sequer tenha vivenciado os meios. Sei o pretérito e o futuro no meu mundo.
Quando pequena, queria que tudo fosse do meu jeito. E meu mundo wanna be era primoroso. Tudo exato e colorido. Todos diziam 'bons dias' e 'boas noites'. Todas as palavras eram belas. Não havia abóbora nem a cor roxa. Não existia dinheiro, pois era ele o causador de todo o abjeto. Eu seria eternamente criança e meus pais, eternos.
Quando um pouco menos verde, com a cabeça no travesseiro eu vivia uma linda história de amor com direito a cavalo branco. Eu viajava e tinha amigos até do Japão. Eu sabia mais que o refrão de Águas de Março e entendia o 2001 de Kubrick. Eu tinha lido todos os livros e acreditava em todas as pessoas, porque mesmo os políticos eram confiáveis. Conhecia-se a definição de respeito e pessoas eram mais relevantes que dinheiro. Não havia desentendimentos por convicção religiosa, política ou econômica. Nessa terra fantástica, eu entendia a mente humana...
Fui longe... e caí daquele abismo. Um dia me senti estrangeira, forasteira na minha própria criação. E tentei criar um mundo não tão distante, no qual se chegasse mais rápido. Tirei daqui e dali, facilitei a chegada, mas ali não restou muito além da minha busca pelo que preenche o nanana da música.