segunda-feira, 5 de novembro de 2007

A Caixa

Metódica, repete incansavelmente aquele velho ritual pré-sono. A garrafa metade vazia, metade cheia de água. O som toca o mesmo disco, cujas músicas foram sistematicamente colocadas uma após a outra num ritmo inversamente proporcional à sonolência. Os livros. A persiana baixa aos quatro dedos de tocar a janela. O despertador ligado para... quarenta e cinco minutos precedentes à saída. Vinte para estender o sono, vinte e cinco para os ritos matutinos.

Tudo em ordem.

O livro, periodicamente substituído sob a luz do abajur, é quase bíblico. Cerca de dez páginas por noite, às vezes mais. Depende do grau de assimilação. Comumente, na página cinco – às vezes antes – quando aquele mesmo disco toca aquele trecho da música que precisa ser cantada, os ouvidos monopolizam o setor sensorial e os olhos fogem às frases de Kafka, Márquez, Pessoa, ou seja lá o que esteja em suas mãos.

Os olhos inquietos então olham em torno enquanto a boca arrisca um inglês um tanto distinto ao que os ouvidos escutam. E, numa dessas peregrinações da visão, depara-se com o que as palavras que outrora lera lhe fizeram esquecer.

Ela está ali, em meio às semelhantes, e parece ter a ingenuidade de suas cores. Teria, não fossem as lágrimas que já causou, pensa.

Nunca lembra do que almoçou ou da última página que leu, mas se recorda como disponibilizou cada item naquele retângulo quase quadrado. Tudo deveria estar perfeito para ali não mais estar dias depois. E ali continua há meses. Sabe que dali só sairão para uma sacola preta levada semanalmente para longe.

Talvez fosse mais fácil se a quase quadrada não lhe parecesse tão útil. E tão bonita... Seria fácil fechar os olhos e manda-la junto a tudo na sacola preta.

Mas continua a olhar. Repetidamente, olhar. E, repetidamente, ela sabe que a dor de abri-la é maior que a de vê-la. Disseram-lhe, certa vez, que sofre mais quem o faz com vagar. Mas lhe teme a idéia de que tudo vá tão rápido como veio.

Pensa que melhor lhe convém deixar a caixa fechada, tudo fechado. Volta às cinco páginas. Dorme. Ela. A caixa.

7 comentários:

Rô Peixoto disse...

A caixa... sabe tanto!!


Beijos

Thales Barreto disse...

Fantástico! =D
Bj bj

Samir Oliveira disse...

Li, reli, rereli e rerereli e não entendi :(
Deve estár além do meu intelecto.. ehehe

Mas, analisando a técnica, achei lindo. Teu vocabulário e tuas construções frasais sempre me surpreendem!

Unknown disse...

Caraca... Fiquei aliviado de n�o ter sido s� eu...

Hj n�o tava mto a fim de estudar heheheh

Bjos!
Vc viu que escrevi em todos at� hj n� Quem diria!!!!

Liza Mello disse...

ATUALIZAAA

Luana Duarte Fuentefria disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Luana Duarte Fuentefria disse...

Comentário original, Liza. Significa que não gostou? Tá tão ruim assim?