quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Nós, os evangelistas.

Vastos não são meus conhecimentos daquilo que é escrito. Digo, não por tantas vezes folheei um livro, não tantas que façam de mim grande entendedora daquilo que trazem. A leitura é, mais ou menos e em alguns casos, proporcional ao tempo de vida, e eu só vivi duas décadas e alguns meses. Sei somente, portanto, dizer do que gosto e do que não. E sei, também, usar a leitura para pensar – ou desenvolver o que já foi pensado.

Uma das coisas que aprendi com livros foi não os julgar pela capa. É uma boa lição de vida, mesmo que você nunca mais olhe para um livro. Na estante da minha mãe, avistava um tal evangelho segundo o protagonista de todos os evangelhos. E, embora ler a Bíblia seja um objetivo da minha vida literária, não me apetecia a idéia de abri-lo. Minha leitura de “O Evangelho Segundo Jesus Cristo” foi o resultado das adoradas aulas de literatura da faculdade.
Ler O Evangelho não é mais difícil que a explicação a ser dada sobre ele quando lhe é perguntado “estás lendo a Bíblia?”. O Evangelho, a começar, embora aspire a ser a releitura da Bíblia, jamais seria aceita como tal. Isso porque Saramago, que se diz evangelista, foi contra alguns preceitos canônicos e, portanto, mundiais.
Ele escreve de forma simples – e muito bem elaborada, diga-se de passagem – a fim de que reconheças a solidez da doutrina em que foste instruído (citando, ironicamente, o evangelho de Lucas). Escreve o que, para muitos, é tão óbvio, mas para o mundo doutrinado em que vivemos não é. O Evangelho insere Jesus numa perspectiva muito mais realista, viabilizando uma versão mais aceitável de sua existência. Já que, num mundo em que já é difícil acreditarmos um nos outros, é difícil acreditarmos numa realidade fantástica – oportuna a alguns interesses – vivida pelo mártir cristão. Difícil, num mundo tão repleto do real.
Muitos de nós – a maioria, eu diria –, da nova geração um pouco mais esclarecida, desacreditam da doutrina que foi pregada/imposta durante mais de dois milênios geração após geração, com possibilidade de escolha quase nula. Muitos de nós foram batizados numa religião (qualquer que seja ela) não porque queriam. Mas, o que faz de muitos de nós diferentes é a possibilidade de levantar o dedo e questionar. Isso porque, talvez, estejamos nascendo cada vez menos condenados à cegueira. E nos perguntamos por que, afinal, enquanto milhares morrem por AIDS, é-se contra o uso de preservativos. Enquanto vidas podem ser salvas, é-se contra a utilização de células-tronco. Enquanto a religião "prega a paz", nada faz para conter guerras em seu nome. E enquanto a fome mata mais do que guerras, o Papa veste-se a fios de ouro (literalmente). E, por que, afinal, essa realidade tão racional deve passar por aprovação espiritual (e de uma só religião).
José Saramago foi um dos primeiros a levantar o dedo publicamente e com ousadia, não somente para questionar, como também para propor uma alternativa. Escritor que sequer fez mais que o ensino médio e provavelmente não sabe tantas línguas quanto o Papa - embora lido em muitos países - , tenta racionalizar um pensamento, faz repensar uma doutrina cada vez menos praticada, colocando-a num patamar bem mais aceitável à razão. Se a razão não aceitar, tê-la usado já é meio caminho nesse caso.

5 comentários:

Carolina Tavaniello P. de Morais disse...

Somos diferentes por poder questionar, mas quantos de nós fazemos isso? Dá pra contar nos dedos...

Muito boa a análise que tu fez.
Beijo

Samir Oliveira disse...

Luana e suas ótimas resenhas literárias!

Não li o livro, mas creio que Saramago deve ter tido o maior trabalho pra colocar a doutrina católica num patamar mais aceitável e menos paradoxal.

Ah, tu achas que vou comprometer a independência do meu blog colocando publicidade? =P

Rô Peixoto disse...

Acho que as pessoas não questionam o cômodo... só não respeitam também!

Sim, é o nome de uma Rua na minha poesia... Acho que eu não queria que as pessoas entendessem... foi por isso! hehe

Beijo!

Samir Oliveira disse...

olha quem cobrando! eu tbm quero ler teus textos :(

Anônimo disse...

"Escritor que sequer fez mais que o ensino médio e provavelmente não sabe tantas línguas quanto o Papa (...) Se a razão não aceitar, tê-la usado já é meio caminho nesse caso.'

Concordo, pois por paradigmas muitos estão infectados e infelizmente, é uma síndrome sem cura.

Parabéns pelo blog, convido você a conhecer também o meu blog:

http://liverig.wordpress.com

Blog do Dissidente

Abraços e até +