sábado, 26 de abril de 2008

O Sonho de Ícaro

Chama-se Adelir. Nada de Gabriel, Ariel, Nathanael. Só mesmo Adelir. Já que nome de anjo não tem, Adelir resolveu ser Ícaro. E, no anseio de chegar ao seu maior sonho, arrumou não penas e cera, mas balões e cordas. Com asas, afinal, seria mais difícil voar. Planejou durante anos a peripécia. Vinte horas atado em balões verde-cacto, amarelo-sabão, vermelho-rosa. Balões de criança, esmagados em festas até o bum e o choro. Mais de mil deles, todos assoprados até o limite pelo gás que faz voar. Padre Adelir está prestes a chegar ainda mais perto de Deus.

Especialista em céu, padre Adelir, assim como qualquer padre, sabe das condições divinas, mas nada das condições do vento. Algumas aulas de vôo aliadas a quarenta e dois anos de fé. Acredita ser isso suficiente para garantir segurança sobre as terras amareladas de Paranaguá, sua cidadezinha paranaense. Um macacão térmico, um capacete, um pára-quedas, um celular, um aparelhinho de orientação sem manual. A medida certa para permitir que os pés saiam do chão. Com o dedo no calendário, o dia foi escolhido pela rotunda lua cheia que estaria no céu. Pretende passar suas horas a contemplar o luar.

É vinte de abril e o famigerado padre da cidade sai minutos após a missa. Com a ajuda dos fiéis coroinhas e de dois ou três fiéis, sai carregado pelos suntuosos balões preenchidos na véspera. Às nove horas da manhã, a cidade desperta sob a névoa sonolenta de cidades pequenas. Em vez do mate quente das manhãs de domingo, os moradores vão se alimentar da fé. Em vez do jornal dominical, vão sugar da fonte da sabedoria do Senhor.

Sob a neblina já mais leve, a razoável multidão de cidades pequenas observa padre Adelir subir aos céus. A alguns metros do chão, ele já não ouve as palmas abafadas pelo som da borracha colorida. E deixa que o vento o leve. Leve como pena. Não lhe importa que os mares que ele agora vê estejam a alguns metros a sudoeste. E que mudem os ventos impiedosos lá de cima. Padre Adelir já é um anjo entre uma espuma alva e inconsistente.

A cinqüenta quilômetros da costa, sob seus pés só há uma rede azul ondulada. Acima da cabeça, um azul liso pincelado pelos tons emborrachados que se perdem aos poucos. Mesmo se quisesse gritar, sua voz já não poderia ser ouvida pelo resgate. O aparelhinho trazido não passa de um figurante sem manual. Mas não quer gritar. Como bom cristão, ele reza. E a reza murmurante do padre Adelir talvez só possa ser ouvida por Deus.

16 comentários:

Samir Oliveira disse...

Luana, vou criar um jornal alternativo-literário e tu vais ser minha a editora-chefe-de-reportagem-auxiliar-de-redação-repórter-diagramadora.

sabe como é né.. contenção de gastos.

Unknown disse...

Ah, Samir. Enquanto isso me contento com uma vaguinha só de repórter na piauí.

Unknown disse...

Parabens!!!
Fizeste uma matéria (muito linda)antes do "Fantástico"!

Anônimo disse...

Pobre Adelir.
Tomara que ele tenha realizado seus sonhos pelo menos...

Bjos

Eliane! disse...

Só tu pra conseguir fazer um texto tão lindo com o caso do Padre Adelir.
É, ele, religioso como era, achava que em Deus podia tudo...

bjos!

Rô Peixoto disse...

Só acho que os catarinenses não são muito acostumados com o mate quente...

E, acho que ele deve estar cochichando nos ouvidos de Deus agora!

P.S.: Poderia xingar o Samir por aqui? Que história é essa de te escolher como diagramadora?? E nosso anos de Ensino Médio planejando a substituta da Super Interessante? hehe (Brincadeira!)

Beijos!

Anônimo disse...

Como não tomam mate quente? São uns pobres duns infelizes se não tomam!

P.S.: sem problemas. Pode ficar com meu cargo de diagramadora. Acho um saco as aulas de Planejamento Gráfico mesmo...

Anônimo disse...

Lindo

Liza Mello disse...

luana luana.. só tu pra falar sobre um assunto já batido de uma forma tão original!
:)

Anônimo disse...

já mandou pra piauí?

beijos

Anônimo disse...

Luana, enquanto todos criticamos o pobre e louco padre...você escreve este texto lindo e poético!

Carolina Tavaniello P. de Morais disse...

da onde tu tirou essa inspiração?
beijos!

Unknown disse...

de uma coisa chamada "trabalho de faculdade", carol. hehe

Anônimo disse...

mesmo com toda a delicadeza do teu texto, sigo achando este cara um panaca. principalmente em razão do que foi revelado sobre o temperamento dele.

Liza Mello disse...

luanaaa
manda pra piauí!

Luana Duarte Fuentefria disse...

calma, calma. ainda falta muuuito pra eu ter capacidade pra uma coisa dessas. um dia aprendo a escrever 'a la piauí'. enquanto isso, vou enganando com histórias de padres loucos.