terça-feira, 23 de setembro de 2008

Contos de Primavera

Há alguns anos, quando eu não imaginava que existia algo além de uma terra longínqua chamada Porto Alegre, eu acreditava que flores caiam do céu. Assim mesmo. Flores pequeninas, bonitas como gérberas e rosas, caíam girando como uma roda de carroça a partir do dia 21 de setembro. Vinha daí meu encanto pela primavera.

Se me perguntassem minha estação preferida, eu não balbuciava. Não pensava nos ventos fortes, na chuva, no resquícios de frio dos setembros. Só pensava nas flores que cairiam sem parar.

Não sei por que, por tanto tempo, em acreditei nisso. Afinal, ano após ano, setembro após setembro, via tantas flores como neve caírem na minha cabeça naquele país tropical.

Quiçá uma analogia inconsciente ao despertar da vida, à renovação dos ares. Quiçá inocência. Qualquer hipótese que fosse, a perdi. Mas não quando percebi que as flores não caiam, e sim quando descobri em quão feia algumas pessoas transformaram minha ilusão.

Quando descobri que existia Buenos Aires, pensei que minhas constatações infantis estavam certas. Aqui, a entrada da primavera coincide com o Dia do Estudante e é uma data celebrada. Era o dia mais esperado por mim desde que cheguei, porque muitos bonaerenses entraram num acordo cruel e me narraram como são lindas as primeiras horas da estação nos parques da cidade. As pessoas dão flores às outras e sorriem. Os estudantes se reúnem e festejam esse dia em que são liberados das aulas. Foi assim que me iludiram.

De fato se reúnem. Mas para transformar primavera em inverno (ou inferno). Nos belos bosques de Palermo se vê muita gente, que abre as mãos para soltar lixo, e não para dar flores. Os jovens não sorriem, mas riem. Riem uns dos outros. Gritam. Correm.

E as flores, definitivamente, não caem do céu.

A primavera aqui é feia.

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Quando tento antecipar a entrada da primavera, ainda carregando minha ilusão, e me sento no Jardim Botânico da cidade, um moço se dirige a mim. Estende na minha frente um longo pedaço de arame e começa a enroscar. Cara de argentino não tem. O arame lhe denuncia.

Hola. Voy a hacerte una estrella porque las estrellas tienen luz propia — entrega-me o arame que se esforça em parecer uma estrela. — Y ahora te mostro mi trabajo y então si te gustar alguno te cuento un cuento.

O sotaque e os erros também. Sim, é brasileiro. Brasileiro que enrosca arame, faz-los brincos e vende. Esse, ainda encena e narra um conto se eu comprar sua arte.

Quero ouvi-lo.

Agora, ao contrário de antes, é o português que tropeça no espanhol. Estou mais atenta à forma da fala que ao conteúdo. E fala como um brasileiro que entorta arame na beira da praia.

Uma terra onde duendes e fadas fazem festas nas quais tudo é mais ou menos a trindade sexo, drogas e rock’n’roll. Então, um urso aparece — porque, afinal, ursos têm relações profundas com fadas – e lhes faz chá de cogumelos. Nessas comemorações não só pela primavera, as fadas se portam muito mal. E, embora isso tudo seja tão metafórico quanto as flores que caem do céu, fez mal às minhas ilusões primaveris.

— Agora você tem que me prometer uma coisa — diz o carioca. — que vai se portar muito mal. Mas isso, só se for pra passar bem.

Hã?

Óquei. É melhor concordar antes que meu saco de ilusões se esvazie por completo.

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A primavera aqui é feia. E desilude.

E, para contrariar Quintana, nada disso tem-me causado uma extraordinária sensação de alívio.

6 comentários:

Anônimo disse...

não sei o porquê, afinal nem conheço Buenos Aires, mas, se fosse pensar em uma estação que me lembra a essa capital portenha seria o outono.
Além disso, não imagino argentinos sorrindo e felizes à toa. Por todos que conheço, não consigo imaginá-los assim. A não ser, claro, se estiverem sob domínio da trindade que tu citaste... hehe

beijos, moça querida

Liza Mello disse...

CERTO q eles entraram em um acordo! deve ser algum estímulo ao turismo, sei lá...

bom, pelo menos tinha violinos..

Anônimo disse...

Que pena. Eu vi em ti um rosto luminoso quando estava prester a ir para BsAs. Espero que o ciclo de desilusões tenha encerrado por aí. Pelo menos numa cidade que te gerou belas expectativas.

Bjs

Obrigado pelo "mestre" lá na telha do Tiago

Unknown disse...

toma nesses gringos! iuasdhiaushdiaus
ah lu, aposto que vai ficar com a gente aqui na redençao na proxima primavera. hohoho

Aloha Boeck disse...

sabe que conheci um português, numa festa dessas, e ele me disse, assim, no seco: Porto Alegre é feia.

juro que me doeu.

acho que a gente se acostuma com as nossas belezas.
se bem que, pelo visto, não te mostraram grande beleza na primavera aí...

mas, assim como o fabiano, espero que as desilusões parem de uma vez.

saudade de ti, querida!

beijos

Rô Peixoto disse...

Espero que o verão te traga mais alegrias!
Mas vai ver os cafés, se os parques não são tão belos!!

Beijos!