domingo, 5 de outubro de 2008

Sonidos Subterráneos

Bip-bip-biiip

Bip-bip-biiip

As catracas rodam incansáveis e os corpos correm incontroláveis.

Milhares de corpos. Milhares de pés. Milhares de mãos que passam os cartões de acesso ao mundo subterrâneo da cidade. Milhares de bip-bip-bip por dia.

Milhares de sons.

As linhas de metrô da cidade, que na literalidade argentina é chamado Subte, são a reprodução subterrânea da cidade dos contrastes de cores, de gente, de poesia. De barulho. Dos sons fugazes das bocas, dos gritos que tentam superar o som esgaçante dos trilhos do trem.

Mas as linhas coloridas de letras do alfabeto também escrevem composições com mais musicalidade. O subte tem trilha sonora. Os túneis são roteiros abstratos sonorizados por música clássica, rap, andina. Qualquer ritmo em versão argentina.

Nos corredores que ligam estações, os fones saem das orelhas para ouvir a milésima sinfonia do subte. Mais que o respeito, como um chapéu que sai da cabeça, é a admiração a quem dá vida às passagens frias e segundos de sensibilidade aos ouvidos apressados. Os vinte e poucos anos de homens e mulheres carregam violinos, violões e rostos de prazer, embora o palco seja baixo e escuro; o público e o salário, incertos.

Os corpos, quando novamente irracionais – ou racionais? – se esmagam para encontrar vago o assento onde farão viagem.

Dentro do vagão, violão e voz desafinados incomodam e aconchegam. Distraem a monotonia. Para as vidas desafinadas, qualquer nota no compasso certo é boa melodia.

Numa estação, o trem pára e fica. Aguarda mais tempo que o combinado, aproveitando a música que silencia o lugar. Um careca toca guitarra e canta “Stand by Me”, enquanto os olhos esperam, esquecidos da pressa. Dentro e fora do trem, há um público fiel nos poucos segundos dessa união de interesses.

O alarme soa alto e apressa quem sobrou. As portas prestes a fechar desesperam.

Ao pé da escada, como recepção a quem chega, “More than Words” traduz o que ele sente. Assim como os demais que vivem para musicalizar a vida passageira, é mais que palavras que o jovem atirado com o violão quer dizer. Está ali, assim como tantos, com uma tarefa difícil em meio ao caos sonoro.

Ali, a tarefa é mais que o cantar. É o encantar das vidas monótonas, o sensibilizar das vidas mecânicas. Das máquinas que vão e vêm nos imutáveis trilhos do trem.


***

O subte portenho é infinita fonte de observação e inspiração. Logo, promete ser assunto constante para divagação.


12 comentários:

Anônimo disse...

Que saudade que eu tava de ler um (belo) texto teu assim! Metrôs são combinações sociais interessantes, onde cada estação guarda sua história e seu personagem. E o tudo é uma miscelância sem fim, que tem assunto para constante divagação mesmo...

Beijos,
de alguém que não pega metrô hehe

Anônimo disse...

Cada viagem de metrô para Canoas me renderia uma crônica, com certeza. belo texto!

Anônimo disse...

Luana, teus textos são rechados de melancolia. Não pude conter a imaginação e voltar ao subre de Buenos Aires. Quando estive aí fiquei observando muito as pessoas, os sons, a pressa, o cotidiano de gente simples ou qum sabe a simplicidade da vida. Imediatamente lembrei de Leeds, cidade em que morei por 5 meses, na Inglaterra, em 2000. Eu nem precisava fechar os olhos pra andar pelas ruas que tanto caminhei, de lembrar dos sons e dos significados que ficaram na minha memória. Foram momentos de pura felicidade, impossíveis de esquecer!

Liza Mello disse...

adorei a parte dos caminhos 'abstratos', ou algo assim. pq é bizarro q a gnt passe pelos mesmos lugares todos os dias e nem saiba direito onde isso é!

ah, muito 'luana' esse texto!


e isso é, sim, um elogio. ;)

Anônimo disse...

A Luana é muito poética! Cadê o lead? Cadê o lead? ehehe

Anônimo disse...

Concordo com a Liza, o texto é muito Luana... Por isso que não gostei. Bléh!

(tô brincando)

Samir Oliveira disse...

"Das máquinas que vão e vêm nos imutáveis trilhos do trem."

esse último parágrafo daria uma bela "poesia no ônibus" em Porto Alegre eheheh.. Aliás, tu devia lançar o "poesia no metrô" aí em Buenos Aires! Imagina, ia se tornar uma magnata do ramo cultural! =P

Bah, faz falta mesmo ler um texto "Buana"! continue nos transmitindo tuas percepções que extrapolam os sentidos dessa cidade! beijão!

Luana Duarte Fuentefria disse...

isso foi um elogio, samir?
menos mal que eu leio os poemas no ônibus, embora não goste de muitos...

e já existe o "no hay ciudad sin poesia", a versão argentina da coisa nos metrôs. e tem umas bem boas até.

Samir Oliveira disse...

foi um elogio chica, por supuesto! e tu também vai te juntar à Liza e não aparecer mais no meu bilógui é? agora que eu to voltando a espanar a poeira..

Luana Duarte Fuentefria disse...

vingança!
hohohoh

calmate, che! é que teus textos exigem alto nível de concentração, principalmente de quem tá aqui longe e desinformada... :(

Anônimo disse...

quando eu era criança e fui a sp pela primeira vez, fiquei fascinado pelo metrô. andava esquecido desta memória...

(que bom voltar aqui)

Unknown disse...

É incrivel a tua percepção sonora!
O mais legal dos sons do SubT é que uma coisa q deveria ser suja e entediante se torna leve e romântica.
É muito bom sair do vagão e encontrar pessoas tocando violino e bandoneon!!!
É uma pena q não se possa dizer o mesmo dos "olores"(cheiros)!!!!
Muito bom mesmo! Bj