terça-feira, 18 de março de 2008

Das carrancas e carrancudas da vida

Nos meus áureos tempos pueris, minha casa, que nunca foi das mais tradicionais, abrigava uma carranca* sob a escada. Era daquelas carrancas bem feias mesmo, vermelha e de grandes dentes, que encarava de pronto quem em nosso refúgio se atrevesse a entrar. “Para evitar maus espíritos”, era o que dizia minha mãe. Lá em casa, sempre tivemos aversão a esses “maus espíritos” e apatia por qualquer coisa que os apartasse. Incensos, pêndulos, muito sol e ar fresco e, claro, carrancas.

Pois bem. Nunca ninguém temeu ou fez qualquer sinal de iminente escarcéu ao ver, pela primeira vez, o sorriso um tanto macabro da nossa amiga. Ela até merecia certa simpatia de nossa parte. Não a ponto de lhe darmos nome (outro costume da família, também nada tradicional), mas era queridíssima por todos. Ou quase todos.

Uma só pessoa demonstrou aversão à presença da nossa protetora. Um amigo de minha mãe sentia-se misteriosamente incomodado quando convidado a sentar no sofá adjacente à escada. Não gostava dela e fazia questão de deixar clara sua antipatia, chegando ao ponto de sugerir que a colocássemos no lixo. Pois o sujeito – ou melhor, o espírito do sujeito - foi descoberto, tempos depois, como de má índole. Um “mau espírito”, portanto. E descobrimos que a carranca fazia jus a sua função, até ser perdida pela grande revolução causada por uma reforma arquitetônica.

Desde então, acredito nessa coisa de energia. Qualquer roupa que eu vista, qualquer lugar a que eu vá, qualquer situação em que me ponha, penso na tal da energia. Mas eu penso nela sobretudo quando conheço pessoas. E nela tenho pensado muito nesses tempos. Porque sempre há gente com aquela perene cara de insatisfação, com aquele ar fastidioso, cuja vida parece estagnada em dias de pé esquerdo.

Digo isso porque, já há algum tempo, conheci uma menina, bonita que é uma coisa. Tem daquelas belezas de dar inveja a outras meninas e de deixar babões os meninos. Mas, embora a beleza em qualquer forma – mesmo a que me cause inveja – me faça um bem danado, a dela me tem sido desagradável ao quadrado. É que, na dita, nunca sequer vi um sorriso, uma palavra boa, um gesto sensível. Ouso dizer que aquela boca que só faz soltar resmungos sequer um dia já sorriu.

“Espírito negativíssimo o dela”, diria a minha mãe. Dessas energias tão negativas que passam pra gente em transmissão direta e sem paradas no caminho. E, como ainda estou tentando descobrir como fazer o processo reverso, do pólo positivo ao negativo, dei uma de carranca e mandei-a embora da minha vidinha de belezas bem mais aparentes.

Mas, se alguém souber onde há, quero outra carranca. Sua eficiência já foi comprovada.

*21/03: Bueno, aí está uma foto da dita. Ela até sorri! Simpatissíssima!



11 comentários:

Samir Oliveira disse...

Adoro carrancas! Não só por esse lado protetor delas, mas também pela forma como são feitas e pela sua história.

Não sei onde tem uma.. Mas, caso tu aches, me diga que eu também quero! :) vamos espantar os verdadeiros carrancudos das nossas vidas ehehe

obs.: engraçado tu escrever sobre isso, pois meu próximo texto ia ser sobre incensos (pq eu acendi um esses dias, coisa que há tempos não fazia)

Anônimo disse...

"aquele ar fastidioso, cuja vida parece estagnadas em dias de pé esquerdo" - te puxou, muito bom!
Sério, teu blog tá se tornando um dos meus preferidos. Parabéns.
A propósito, também acredito um pouco nessas coisas de energia e espíritos ruins, até porque sou um espírita. Mas, confesso, sou pouco sensível a isso. Não tenho o poder de captar se as pessoas são boas ou ruins de espírito de cara, assim. Se eu captar é que tá na cara. Talvez precisasse de uma carranca pra mim...

beijos

Rô Peixoto disse...

O que será que teria dito a carranca sobre mim?? hehe

Beijos!

Carolina Tavaniello P. de Morais disse...

Luana, esse texto tá maravilhoso!
Enfatizo a mesma frase destacada pelo Tiago Medina.
A propósito, tenho pavor de carrancas. Não entendo o significado, sei lá, elas não me parecem amigáveis. E em relação aos espíritos, eu gostaria de ser mais ligada nisso. Acho que faz um bem danado. Beijos

Luana Duarte Fuentefria disse...

Ih, Carol. Se tu não gosta delas faz uma limpeza espiritual. O único que não gostava da minha deu no que deu. hehehe

Gabriela Aerts disse...

Hehe

Eu tenho uma.

Gabriela Aerts disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Nunca fui muito chegada em carrancas, talvez por não ser uma tradição na minha família...
Na verdade, até tenho um certo receio... hehe...
Mas admiro quem as têm e consegue entrar em sintonia com elas.
E, depois deste texto maravilhoso, talvez eu até consiga olhá-las de uma forma diferenciada....
Bjinhu, lu.

ps. não sei pq tens que colocar aquele monte de letras, assim que descobrir eu as tiro... tens alguma idéia do que seja?

Anônimo disse...

se a família ainda tem esta carranca, guarda! guarda pra ti. e um dia põe na tua casa. tenho, na minha casa, várias coisas que eram da família. ultimamente tenho lembrado de muitas coisas que se perderam no tempo, mas que eu gostaria que estivessem aqui, bem perto.

Anônimo disse...

Só to passando pra te dar um Oi, nunca tive uma carranca em casa, mas esta da foto parece ser bem satírica.

Abraços, Liverig (Blog do Dissidente)

Anônimo disse...

que medo dessa carranca... olha, eu não acredito nessas coisas de energia e tal, sou muito cético. mas acho que pra quem acredita, pode fazer diferença.

obs: atualizei o blog do arte e fato!