segunda-feira, 12 de maio de 2008

Donas Maricotas não são mais as mesmas

Ônibus são terrenos férteis para boas idéias. “Boas pautas”, diria um jornalista. Diria eu. Digo eu que adoro ônibus. Exceto quando uma tia gorda me “abunda” (no sentido de bunda, mesmo) durante toda uma viagem, ou quando tias atucanadas esperam na porta de saída para só saírem no final da linha e atrapalham a saída alheia, eu gosto mesmo de ônibus.
Mas, bem. O que quero contar é sobre a tia no ônibus. Não a da bunda ou a outra. Mas a tia de seus setenta anos –- deveria chamá-la de vó, pois --, que agora sai pela porta de trás graças ao novíssimo sistema-que-não-deu-certo (ou deu TRI-errado?). A tia que foi a graça do meu dia. A graça e a desgraça. Quando a gente enfim pensa que o mundo tem jeito, uma vó dessas desencanta-nos. Vós deveriam dar exemplo de boa conduta, de educação. Como toda mãe é virgem, toda vó é bem-educada. Vós foram criadas em tempos áureos, quando as pessoas não falavam palavrões. É o que nós, jovens de vocábulos tão chulos, pensamos. Eu pensava. Até hoje.
Dona Maricota –- como aqui a chamaremos, por ser nome de vó –- era baixinha e corpulenta, daquelas que parecem bolinhas infláveis. Os cabelinhos prateados em coque e o andar de pêndulo eram seus encantos. Uma saia e uma conga. Uma perfeita lady da terceira idade porto-alegrense. “Um amor de vó”, diriam aqueles que não a conhecem. Ou que não viram o que eu vi. O destino de Dona Maricota, naquele ônibus com um pouco mais de gente que assentos disponíveis, era a Câmara dos Vereadores. O que aos setenta anos ela queria ali, eu nem imagino. Detive-me apenas na forma com que Dona Maricota alcançaria seu objetivo.
Levantando-se do assento com dificuldade metros antes da parada, ela correu à porta como se o ar lhe faltasse. Precisava ir à rua, por isso correu. Tinha medo que o ônibus arrancasse e os vereadores ficassem para trás. Correu com aquele jeito pêndulo de ser. Mas a educação de tempos áureos não lhe ficou na memória. Nem no inconsciente. Dona Maricota saiu a atropelar um menino-malandro, com o próprio nome tatuado em enormes letras no braço. O Leonardo, como eu e todos ali sabiam, foi o alvo de Dona Maricota.
“Me deixa sair, deixa eu ir na tua frente! Sai da frente, sai da frente!”, ela gritou ao Leonardo apavorado. E o Leonardo não saiu, coitado. Nem tinha que sair. Nas plaquinhas vermelhas, onde então dizia “assento preferencial”, ele não lembrava ter lido a mesma designação para “saída”.
“É um idiota, um imbecil. Brincadeira! Que m...”, e mais um monte de resmungos inaudíveis a mim. Já o Leonardo, deve ter ouvido alguns mais lá fora. Isso se não levou um puxão de orelha de brinde. Fiquei feliz, por um momento, de o futuro ser do Leonardo -- mesmo com aquela tatuagem -- e não da Dona Maricota. Porque as Donas Maricotas já não são mais as mesmas.

E digo, um tanto decepcionada: não creiam mais em mães virgens e em vós bem-educadas.

11 comentários:

Anônimo disse...

Baaaaaita texto! Adorei!
"Como toda mãe é virgem, toda vó é bem-educada." - perfeito!

Eu parei de falar isso, pois estendia a condição de virgem a minha irmã também. Um tempinho depois, ela ficou grávida...


beijão

Samir Oliveira disse...

Luana, tu certamente não se inclui na modalidade "jovens de vocábulos chulos". Nunca vi tu dizer um palavrão maior que "vai te catar". Sério. Seria um prazer quase mórbido ouvir um palavrão da tua casta boca, ehehe =P

Rô Peixoto disse...

Parei de crer em mães virgens depois das aulas de corpo humano, e em vós bem-educadas depois do teu texto!

Beijos!

Anônimo disse...

ih... os ônibus ainda irão desmantelar várias crenças tuas...
:o)

Anônimo disse...

ih... os ônibus ainda irão desmantelar várias crenças tuas...
:o)

Luana Duarte Fuentefria disse...

Eu só gosto de palavras bonitas, Samir.
O único palavrão que falo é "merda", que nem entra mais na categoria. Pra minha bisavó, como já sabes, "merda" devia ser nome de gente.

Aloha Boeck disse...

Muito bom, muito bom.
Vou te colocar nos meus links, também, pra não esquecer de ler.

;)

Gabriela Aerts disse...

duas coisas:
1 - era um Praia de Belas CERTO!
2 - minha vó não é bem educada.
hehe


muito tri. (ahn, ahn? entendeu? hê) ônibus sempre é terreno fértil mesmo. É um lugar bizonho.

O título lá no blog é porque eu chamo aminha mãe, Denise, de Dênis Marques. Até por isso o nome das personagens são Ednesi, anagrama de Denise, e Wennot, anagrama de Newton, meu pai. hehe
criatividade em excesso
aehauehuaheuahe

Anônimo disse...

Como diz minha mãe, os canalhas também envelhecem. Os ônibus derrubam dogmas, como o trânsito em geral.

Anônimo disse...

Notícia boa e ruim:
boa: sim, eu descobri um circo em atividade.
ruim: ele está lá em Floripa.

Eliane! disse...

O Fabiano disse tudo!